Vivo a experiência da partida e sinto-me ainda suspensa no ar.
Hoje visitei a casa vazia de meus pais. Era preciso desocupar tudo para venda.
Me senti os escafandristas da música do Chico, revirando os resquícios de uma estranha civilização. Sim pois a vida de meus pais foi uma civilização à parte da minha. Tiveram identidade própria e autonomia cultural. Do saravá aos boleros, fizeram das suas, as vidas que escolheram, caminhos que traçaram. Amigos amantes, traições consentidas, passeios, brigas e paixões.
Um par de alianças de prata escurecida, com frizo de ouro rolou de uma caixinha caindo aos meus pés.
O registro das bodas de prata, as de ouro vieram depois, sem alianças ou qualquer outro marco burguês.
Cartas, lembrancinhas de fatos que desconheço, toalhas de crochê, taças dispariadas, tampas sem panela e vice-versa, vasos de cristal falsificado de uma época em que não haviam camelôs e nem os genéricos chineses. Será que vaso de cristal falso de 30 anos atrás vale mais que um vaso desses hoje?
Como se quantifica o valor das coisas?
Ferrugem, trinca, manchas, valem pelo tempo muito mais que pelo estado em que se encontra?
Trinta pares de meia na embalagem sem abrir. Meu querido Pai penso eu, não suportava mais ganhar meias de presente. Sua vingança era não tirar do pacote.
Duas carteiras na embalagem. Preferia a dele, velhinha macia e experiente.
Três caixas do boticário sem abrir.
Cinco perfumes finos fechados. Seu armário de roupas era um almoxarifado de camisas de marca (Yves Saint Laurent, Aramis, e outras) que o filho deve ter comprado e não gostou. Sobras. Criou um cemitério dessas peças extravagantes e sem nenhuma identidade com ele. Alojou-as em seu armário por delicadeza. Que merda! Que vida! Que morte! Que "rediculo" como diz meu neto primogênito. E eu digo: Como viver e não reproduzir essa merda?
SuêGalli
Hoje visitei a casa vazia de meus pais. Era preciso desocupar tudo para venda.
Me senti os escafandristas da música do Chico, revirando os resquícios de uma estranha civilização. Sim pois a vida de meus pais foi uma civilização à parte da minha. Tiveram identidade própria e autonomia cultural. Do saravá aos boleros, fizeram das suas, as vidas que escolheram, caminhos que traçaram. Amigos amantes, traições consentidas, passeios, brigas e paixões.
Um par de alianças de prata escurecida, com frizo de ouro rolou de uma caixinha caindo aos meus pés.
O registro das bodas de prata, as de ouro vieram depois, sem alianças ou qualquer outro marco burguês.
Cartas, lembrancinhas de fatos que desconheço, toalhas de crochê, taças dispariadas, tampas sem panela e vice-versa, vasos de cristal falsificado de uma época em que não haviam camelôs e nem os genéricos chineses. Será que vaso de cristal falso de 30 anos atrás vale mais que um vaso desses hoje?
Como se quantifica o valor das coisas?
Ferrugem, trinca, manchas, valem pelo tempo muito mais que pelo estado em que se encontra?
Trinta pares de meia na embalagem sem abrir. Meu querido Pai penso eu, não suportava mais ganhar meias de presente. Sua vingança era não tirar do pacote.
Duas carteiras na embalagem. Preferia a dele, velhinha macia e experiente.
Três caixas do boticário sem abrir.
Cinco perfumes finos fechados. Seu armário de roupas era um almoxarifado de camisas de marca (Yves Saint Laurent, Aramis, e outras) que o filho deve ter comprado e não gostou. Sobras. Criou um cemitério dessas peças extravagantes e sem nenhuma identidade com ele. Alojou-as em seu armário por delicadeza. Que merda! Que vida! Que morte! Que "rediculo" como diz meu neto primogênito. E eu digo: Como viver e não reproduzir essa merda?
SuêGalli
Olá querida amiga-mae... acho que é dificl imaginar quem de nós nao passará por isso, nao é...?ou pelo menos um pouquinho disso, infelizmente.... me diga q nao, por favor...
ResponderExcluirbjs
Querida amiga-filha eis uma certeza pronta para ser vivida.Um papel confirmado em nosso script. Mas é apenas mais uma protagonização na experiência da vida, seus personagens e suas interlocuções. Não devemos nos entristecer, talvez nos emocionar...e esperar que esta cena venha apenas no final do espetáculo, dando aos atores a dádiva do completismo existencial.
ResponderExcluirBjs.
Seu pai devia ser o máximo, realmente "o cara", como me refiro a homens que valem a pena ser lembrados, pois a idéia de uma possível vingança por ganhar tantos pares de meia e, portanto, deixá-las ainda no embrulho, é muito interessante! Fico tentando imaginar as caras que ele devia fazer ao ganhá-las....sei lá....mesmo sem nunca tê-lo visto, fico tentando lhe dar um rosto, entende?
ResponderExcluirLegal isso!