sexta-feira, 27 de julho de 2012
Desmorrer
Ela estava deitada em sua mortalha coberta de flores brancas sob o véu de rendas. Seus olhos semicerrados deixavam uma fresta de luz entrar...sua pele ainda mais branca não se esfriara de todo...me esperava pro nosso adeus...na capela, o velório... amigos anônimos se misturavam com a curiosidade daquela morte inexplicável...em hora errada...ela parecia feliz ultimamente... a mãe cansada de chorar aguardava o sepultamento torcendo entre os dedos um rosário cujas contas gastas e amareladas eram torturadas numa prece tátil. Me aproximei daquele leito de madeira que a vestia agora. A situação não era de acreditar era sim de fazer alguma coisa pra reverter tal cena... Fazê-la quem sabe, desmorrer. Conhecemo-nos um ano antes desse dia... Queria se casar ter uma casa só dela com paredes pra pintar... eu procurava um segundo emprego pra complementar renda...tempos difíceis... Estava recém-divorciado... Casamento fracassado... Sonhos demolidos. E ela a me relatar incansável seus planos. Achei que estava brincando de descrever detalhes minuciosos...o que fazia muito bem...Confesso que não levava muito a sério mas acabei me apaixonando por suas ideias...passei a partilhar sobre ter paredes próprias e pintar nelas nossas cores e palavras refazendo o conceito de vandalismos de pichadores. Nos casamos mas nossos momentos descompassados dificultavam nossos planos de sonhar juntos...No mês passado nos despedimos ela se mostrava bem apesar de triste... não queria que terminássemos daquela forma...Nossas paredes ficaram inacabadas, obras pela metade outras apenas rascunhadas...no mesmo ritmo de nossos sonhos...rascunhados. Viajei a trabalho, assumi novos projetos e ontem pela manhã recebi o telefonema avisando sobre isso. Estou agora diante dela a mulher que sonhava ter paredes próprias pra fazer delas suas telas móveis...estava morta.Não tive como realizar todas as promessas que fiz a ela...ela não teve como esperar seu tempo era outro, os momentos descompassados lembram? Me aproximei e inclinei sobre ela beijando-lhe a face sussurrando...o que quer que eu faça pra você desmorrer? Posso derramar lágrimas em seus olhos pra despertar...quer isso? Pode me mostrar? Ela então num movimento imperceptível disse me beija. A emoção me fez brotar lagrimas que caiam sobre seus olhos semi cerrados pelas fretas que deixavam entrar ainda a luz, lembram? A beijei então e ela abriu os olhos como se despertasse de um sono adiado...pergunta-me: Vamos mesmo nos dar aquelas paredes?
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