Seu compromisso era com a calça de seu nobre e galante
soldado, cavaleiro do Reino.
No último combate, defendo as honras do Rei, feriu-se e teve sua farda destruída na altura
dos joelhos. Coube a ela restaurá-la.
Ficou lisonjeada pois sabia dos seus encantos,
correntes nas rodinhas de mulheres por todo o palácio. Elegante, Olhar de segredos, Calado, misterioso, gentil,
delicado, de beleza singular, porte gigante, e braços capazes de contornar os sonhos
de uma costureirinha como ela.
Hoje ele viria fazer a ultima prova e finalmente poderia vê-lo pessoalmente.
Mal dormira aquela noite que antecedeia o arremate da
costura e a prova.
Durante o feitio com a calça entre as mãos podia ver
seu corpo dentro dela. Suas pernas fortes e cheias de músculos, cicatrizes de herói
espalhadas feito desenhos tatuados, troféus da vitória. A cintura delgada como
de uma Princesa, escondia um mistério encantador.
Por vezes se via abraçada com a roupa presa entre as
mãos coladas em seu peito.Seu cheiro estava lá. Sua energia toda se mantinha
nela, podia sentir seu pulsar. A emoção lhe tomou a garganta e uma vontade louca
de beijá-lo a fez inventar os detalhes desse sonho. Mas não dormira para
sonhá-lo.
Separou suas saias de renda e avental bordado,
perfumou o corpo, carmim nos lábios, um ramo de flor de laranjeira prendeu nos
cabelos e esperou o dia clarear.
Já no salão das costureiras, terminado o trabalho, avisaram
de sua chegada. Tinha que espantar a timidez. Correu em sua direção com a
peça nas mãos. Ele estava lá parado fitando-a.
Suas pernas tremiam, seu coração pulava tentando
achar um lugar seguro dentro do peito arfante. Ele a viu! Sentira isso. Olhara
dentro de seus aposentos secretos e se viu lá com ela no sonho que inventou.
Sorriu. As outras mulheres de longe, excitadas, assanhadas, mal continham gritinhos
de euforia, esfregavam as mãos, se abanavam o calor, quase se tocavam o próprio
corpo cheio de contido e insatisfeito desejo.
Ele só tinha olhos pra ela que estendeu a peça e
perguntou Vai provar? Ele sem titubear foi tirando a farda. Pode ver suas ceroulas
longas de cor cinza colada ao corpo daquele Adônis de seus sonhos. Estava
diante dela. Virou o rosto e só se voltou quando terminado. Ele dizia com voz
límpida e forte. É a minha preferida, obrigada ficou ainda melhor, como
conseguiu? Sem graça falou ...eu também não sabia que conseguiria...se
tiver outras posso tentar. Ele então se inclinou pegando-a com as duas mãos
pela cintura, puxando-a para seu corpo sentou-se no banco próximo de e a
colocou em seu colo. Era o sonho que ela inventara acordada por falta de sono. Então
acariciou seus cabelos aproximando os lábios. Não queria parecesse uma mulher vulgar e
fácil, mas...sabia que fácil não era mesmo. Quando uma costureira da corte,
escravizando seus dias cinzentos dentro daquele imenso salão, rodeado de mulheres bisbilhoteiras,
largadas e gordas, de dedos rasgados pelo trabalho insano das agulhas rombudas e ferinas, bocas
de dentes faltantes, quebrados, escuros, quando viveria algo assim? Ser uma delas era
o seu destino. Mas ela sabia inventar sonhos. Quando ele se despediu deixou entre
meus seios um lenço com seu nome: Loren. Ao voltar para a costura, ainda com a
pressão de suas mãos amassando-lhe as vestes, tocando-lhe o ser, as mulheres a
rodeavam com perguntas toscas: Afinal quem era essa jovem? É mesmo o soldado do
Rei? Mas não seria uma donzela?De onde tira aquela força para te abraçar?Você está
apaixonada? O que pretende fazer?Ele ou ela pertence a linhagem nobre de
guerreiros? Delicado demais para um cavaleiro! Deixem-nos ver o que tem ai entre
os seios! Foi tomada de uma vertigem escurecedora e fria. Atiraram-se todas
sobre ela, rasgando-a inteira, derramaram suas frustrações todas sobre seu
sonho, sentia o cheiro azedo delas sobre si. Tirou-se dali voando nos pensamentos. A noite escureceu
o lugar. Espalhadas pelo chão as flores de laranjeira. Um lenço de renda em
pedaços soletravam um nome...Acordou nos braços de Loren.
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