sábado, 12 de janeiro de 2013
Terror (conto na primeira pessoa)
Subo as escadas e deparo-me com a enorme desordem do aposento, meu cativeiro, holocausto privativo. Janelas altas grades de ferro lacradas, teias descendo como cortina esquecida no tempo, intocada pela brisa, pela mão que acorda a casa amanhecida. Instrumentos de tortura, restos de comida, carne putrefata, panos imundos estendidos sobre um sofá encardido, rasgado num canto da parede. Um varal improvisado atravessa o lugar sustentando algumas fotos e muitos rascunhos de textos de meu blog particular... Trecho de poemas, anotações, parte de mensagens extraídas do meu celular, pistas pra me localizar. Mais ao fundo um computador travado exibia paralisada num vídeo, uma imagem de minha última viagem, escalando a montanha dos desejos, baú de troféus e recordações. Numa das paredes de reboco já sem cor, marcas de minhas mãos com sangue misturado com tintas comprovam minhas digitais. O cavalete caído sobre uma enorme tela inacabada, arrancada das sombras abraçadas da parede de meu ateliê, no chão bisnagas se espalhavam em cores...na noite semi-iluminada, um poste ainda por pintar. Meu corpo estava lá, de cabeça para baixo, mutilados meus membros sangravam ainda. Entre os dedos da mão direita uma caneta, no chão um bloco de anotações e um poema interrompido. Um crime comum que se confundia com o incomum, marcado por desvios que a razão detecta num único lance do olhar experiente e toque da lupa sobre indecifráveis vestígios. Meu algoz descansava exausto numa cadeira. Autor daquela carnificina parecia mais morto que eu. De fundo, o som de um violão enlouquecido nas doze cordas de aço gritava ritmos e melodias desvairadas, denunciava um crime de vingança, ódio e covardia. Foi quando ele chegou elegante feito nobre espadachim; suave feito apóstolo de Cristo. Loren munido de todos os verbos, palavras e acima de tudo, de seu heroísmo livre dos efeitos kriptonita. Com ele, policiais periciavam, repórteres fotografavam. Meu carrasco desfalecido pelo cansaço não tivera tempo para a fuga. Loren se aproxima dele com desprezo para conferir o que restava de vida ainda enquanto os policiais atavam definitivas algemas. Depois, como se arrastasse em cada passo, o peso de uma tonelada, chega até meu corpo. Desata delicadamente as ferragens que me prendiam sustentando-me pra que eu não desabasse de vez sobre o chão fétido daquele lugar. Ampara-me tirando de sua mochila um cantil com água e um echarpe de cor clara que umedece, limpando uma a uma minhas chagas. Depois aperta sua testa contra a minha e trêmulo, profere palavras e cânticos evocando seu Deus. Um vendaval toma conta do lugar arremessando tudo para longe restando, no centro de um redemoinho Loren e eu. Nos fundimos nossos membros, cérebro, coração, pensamento. Loren esbraveja sua ira misturada com esperança. Seus gritos se misturam com raios que cortam as paredes fazendo aparecer através dela, uma estrela. Loren posiciona meu corpo frente a pequenina quase sem luz, teimosa em clarear a escuridão. Abro os olhos e a vejo em seu brilho a me envolver a alma, soprando ar, ecoando versos pelas portas do tempo sem relógio. A chuva cai soletrando um mantra engraçado. Loren exausto se deixa tombar sobre nossa cama alva e perfumada. Seus braços me enlaçam frouxos, quase inertes. Sobre seu corpo adormeço. Pela manhã em meu ateliê de linguagens vejo a pauta sobre a mesa e nela o conto de terror na primeira pessoa, na tela, sobre o cavalete, nova pintura espalha o cheiro das cores, enquanto uma trêmula melodia ensaia notas musicais nos acordes dissonantes da tarde.
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