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domingo, 14 de agosto de 2011

Sinais

O teatro se abriu para o debate de certa pedagogia dos sentidos, admitindo desde o início a ausência de um deles: o da audição. Como sei disso? Do lado esquerdo do palco uma figura de mulher se posta pronta para transformar em sinais gesticulados com as mãos, braços, corpo inteiro, as palavras proferidas naquele lugar. Ela é a decodificadora da linguagem oral, aquela que só faz sentido se existir o outro, o sentido da audição... Ela está li para dar esse sentido ausente em quem, sabe quem? Onde na platéia estão os que se valerão dela para entender o que falamos nós os falantes ouvintes? Ela reconstrói, nos movimentos gestuais, a linguagem de sinais endereçada aos privados do sentido da audição... que a mim não deu pra saber onde estão...se estão ali ou não...mas ela está... fiel interlocutora entre nós e eles...existentes, presentes ou não. Que mulher é essa que discreta em seu vestir num traje negro se camufla no escuro quase negro das paredes que a cercam... Que mulher é essa cuja pele também quase negra compõe sua figura a capturar meu olhar? Um foco de luz a projeta dando brilho aos gestos traduzidos em sinais, significados... Eu mal posicionada fico a brigar com meu corpo que se torce para vê-la em seu bailado ora suave; ora empostado e dramático... me atrai seus movimentos... quero vê-los todos...sentar-me diante dela...reverenciá-la. Ouvi certa vez sobre o contraditório desejo de que o final de um momento chegue rápido...quando queremos que ele seja eterno...Empresto essa idéia e a experimento a imaginar-me chegando até ela. Que mulher é essa que no anonimato rouba a cena e o meu olhar que fugitivo se desvia disfarçado, pra vê-la mover-se e girar levemente o corpo, dando mais sentidos aos sinais emitidos na velocidade da fala dos falantes audíveis, que nem de longe se dão conta, da existência dos que alí, não ouvem... Ah! Como eu queria vê-la de perto bailando em seus gestos minhas palavras! Ao final quando me liberto do compromisso formal e posso então correr dali, me impedem passar... mas o tempo passou e ela não estava mais. Não pude reverenciá-la, nem tocar suas mãos que falam para os que não ouvem...não pude sentir a cor que tem a voz da mulher que fala com sinais...Hoje a perdi...amanhã voltarei para vê-la, e encontrar na platéia os sujeitos com quem ela fala com seus gestos e corpo, empenhados em dar sentido pra sua linguagem de sinais...Estarei entre eles...os sinais, os sentidos, em busca dos dela e dos meus... nos dela e seus, sinais.

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