domingo, 18 de dezembro de 2011
Livre prisão perpétua
Experimentava a oportunidade única de escrever uma matéria jornalística para uma revista de curiosidades culturais. O convite viera de um leitor de meus textos publicados no criarte... Fiquei interessada na inovação que sofreria meu percurso literário... Aceitei e viajei no dia seguinte. Atravessei o país e conheci então os sujeitos e a história objeto de minha produção. Eram duas pessoas de um talento sedimentado na capacidade e paixão pela pesquisa, perseguição do saber escondido nas sombras da caverna, que deixa de fora, os que temem os desacertos da escuridão quando da aproximação da fogueira. Tudo pra eles começou quando estavam prestes a realizar o grande feito, arquitetado no último ano de suas vidas - Laboratórios inventivos... Surreal...um lugar para os sonhos. As avessas dos que buscam projeção e fama, perseguiam o anonimato de suas criação e saberes nelas contidos... Passavam despercebidos no contexto volátil e fast food em que viviam... vi logo de cara que essa história mudaria o curso de minha ficção jornalística. Autorizada fui entrando, percorrendo o profundo corredor cuja interminável parede se fazia corrimão de quem sente vertigem num lugar assim... Avistei ao fundo a cela onde os vi condenados a prisão perpétua...me receberam como quem acostumados a visitas...a cela era um misto de ateliê de artes munido de cavaletes e estojos de tinta e pincéis vários tipos, blocos de canson e instrumentos de desenho, biblioteca, livros computadores, equipamentos de som, CDs, DVDs, projeção, câmeras fotográficas, uma luneta, alguns brinquedos e jogos eletrônicos, não havia cama, apenas uma esteira espécie de tatame e almofadas...dois bonsais, uma toceira de hortelã...fixada a parede uma bancada em madeira rústica, sobre ela vidros com sementes e frutas secas, um barril de água potável... me apresentei, continuaram seus afazeres, iniciei o diálogo... Entre um mergulho do pincel na tinta e um olhar para a parede, eterna obra, ela em jogral com ele, mergulhado e penetrado nas descrições de Hemingway, aparentemente ausente de nós, respondia minhas perguntas...palavras preciosas que eu juntava em meu texto...se conheciam como se desde a infância marcada por tardes infinitas... Amavam-se. Determinados buscavam um lugar seguro pra deitar a felicidade nutrida em suas cronológicas vidas... Tudo aconteceu por que viviam num lugarejo onde o amor incondicional era crime e os portadores dele condenados a prisão perpetua, lei milenar que fazia desse lugar e ideia, a osmose do matrix. Todos obedeciam a regra vivendo os sentimentos dentro das condições, vacinadas, certificadas normais, conectadas em único disseminador de valores absolutos, inquestionáveis... Por isso o cárcere estava sempre vazio de pessoas a cumprir tempo, reclusão e castigos... Ela me contara que não havia para eles nenhuma brecha, para as invenções que faziam e com as quais partilhavam suas utopias... Não havia também lugar nem mesmo virtual, para os registros de seus inventos transgressores dos valores inculcados pela matrix...chegaram a fazer duas tentativas...se mudaram no meio da noite...as escondidas carregando seus textos, as palavras caindo pelos vãos dos dedos... Numa daquelas tardes brincantes, quando até mesmo o cão quer exercitar o riso e correr atrás de nada até esgotar a alegria e o beija flor ensaia a paradinha no ar prestes a sugar o mel no miolo da flor, num clima onde bichos viram gente, brisa musica, a cidade cenário, o silêncio riso com gosto de hortelã...tarde infinita, veio-lhes a inspiração do criminoso amor... Em uso da genialidade, projetaram na então cela sempre vazia, o lugar pra viver o amor ...mesmo que condenados...estariam livres em prisão perpétua... Ao amanhecer desfilaram pelas praças o tal do amor deles acometido, mal crônico, sem retorno e incondicional... Entregaram-se... Chamaram os juízes e ofereceram-lhes o script da sentença... Bom texto... Boa melodia nas palavras... Vieram os promotores, fez-se o julgamento seguido do veredicto. Por fim o lugar pra descansar a paixão... Numa cela, prisão Perpétua para libertar o perpétuo amor... De imediato foram algemados e levados para a cela do para sempre, sob os gritos de vingança saciados das pessoas adormecidas do lugar. Um último pedido lhes fora concedido e então ele pediu papel e caneta até o fim dos dias de ambos e ela pediu tinta e pinceis para pintar a parede da casa nova, e esperá-lo pra ver sua expressão de surpresa a cada final de tarde infinita, ao chegar pra descansar o sorriso torto... Cores iluminadas... Paredes vivas... Lugar de possibilidades por ser eterno... perpétuo. Aos poucos tornou-se tudo o que sonhavam para suas vidas... A cela que seria o escafandro de Jean-Dominique Bauby, dependente das borboletas para escapulir da prisão, tornou-se as próprias borboletas asas portadoras dos sonhos e invenções acessando qualquer ponto do planeta... O vilarejo tornou-se conhecido e o cárcere passou para os classificados do turismo cultural, beneficiando a economia local. Os protagonistas apaixonados limitavam-se unicamente a ser como sempre foram e queriam permanecer, no lugar escolhido, resistentes à matrix, desfazendo os enormes conectores que ligavam os seres do vilarejo na enorme usina de energia... Andy e Larry Wachowski os diretores das edições já rodadas no cinema do Matrix, viram a matéria e estão agora analisando meu roteiro para uma nova edição do cinema projetando o fim da matrix nos moldes do criarte...Quanto a mim,volto sempre para visitá-los e acompanho o que dizem ser seu grande e atual drama: o movimento em torno da possibilidade de serem libertados da cela...temor que ameaça-lhes, com a equivocada concepção de liberdade, os sonhos e inventos sem paredes, grades, fechaduras, fronteiras do pensamento...
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