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terça-feira, 29 de novembro de 2011

F I M

Era mais um roteiro para meu filme a concorrer no festival do próximo inverno...No contexto pensei nos dias atuais, sociedade tumultuada de informações e multidões que se encontram desencontradas, solitárias e com a responsabilidade de viver com alguma criatividade, por opção. Nesse contexto, as tecnologias são brinquedos que preenchem o tempo vazio, trazem e levam mensagens inconseqüentes pela distância e improváveis pela inconsistência. Na escolha de temas, decidi por algo simples, tentando  linguagem e situação meio trivial, pra  maioria das pessoas, porém margeando a expressão de cinema cult...percursos criativos, finais inesperados, inquietadores... Foi com essa ideia que escrevi esse primeiro ensaio cujo centro temático é o processo amoroso vivido por um casal: um homem e uma mulher. Se conhecem numa manhã de um dia comum num lugar qualquer... Ele estava lá, assumira uma função  do qual não conhecia bem, sentia-se meio estrangeiro naquela sala onde fora um dos primeiros a chegar para a reunião, conferia mensagens do celular, conteúdos do Ipod e lia um texto no editor eletrônico. Ela aparece a porta, meio que sem direção, olha pra ele e pede informação. Olham-se. De dentro dele uma sobra de faísca semi-acesa, é repentinamente soprada...sente-se estranhamente atraído, mais que isso, seduzido pelos encantos dela (confesso que também considero esse um exagero descritivo para uma cena que ainda nem começou, reconheço, mas  me inspirou)...era um jovem intenso, romântico e colecionador de histórias que se classificavam por períodos históricos, contados em décadas, assim: aos 20 de idade teria uma namorada de 30, aos 25... uma de 40, aos 30... uma de 50 e assim buscava completar seu álbum cuja meta era os 100 anos! Não de solidão...esses eram outros cem anos, que ele também cultivava. Carregava seu álbum como uma espécie de troféu - currículo vitae. Nos anexos juntava  histórias complementares com idades e situações intermediárias, um certo pano de fundo do cenário. Dela pouco definimos, tipo enigmático desses que  mantem a imagem sóbria e serena, guarda experiências não classificadas em períodos históricos, mas, abstratos... registros das mais diversas formas de expressão e arte...Ainda da porta, espera a informação que ele busca lhe dar. Ela o olha como uma pessoa comum, fato que vai mudando com o passar das horas, dos dias, das semanas, dos meses....Isso por que ele resolve seguir seus passos, pensamentos, idéias...numa estratégia do  elogio: sobre sua beleza, o sorriso, os olhos, a voz, maneira de andar de sentar... Elogio a tudo...Exercita assim sua capacidade de adjetivação e analogia numa comunicação que aos poucos, surte efeitos inusitados nela, de quem ele não perde mais um gesto sequer, pra transformar em galanteios... Ela  aprende a gostar daquela conversa dele e ele se especializa nos detalhes, pesquisando sistematicamente mais coisas sobre ela, seus gostos, crenças,  autores, musicas,  filmes, paixões. Certa de que tinha controle sobre seus sentimentos e estaria com ele somente enquanto tivesse tempo em seus dias cheios dela mesma, suas fantasias, inventos, manias, brinquedos, lembranças, segredos... experimentou seus beijos... A princípio nada de novo... Beijo forte... Sem roteiro... Ele, atento, no propósito de se esmerar, deixa ela guiar cada movimento, pra se apropriar do percurso que ela fazia... Passou a beijar como ela queria, e ela, já não sabia mais se era ela, ou era ele, que tinha daquele jeito de beijar, a autoria... O tempo foi passando, eles se beijando, ela gostando, querendo e autorizando... Mantinha-se ele o deslumbrado... Com quem ela se envolvia dia mais dia, e na corrida para cada encontro era sempre ele, quilômetros na frente, rompendo a faixa da chegada! Marcando a nova largada. Ela se mostrava disposta, queria cultivar o sentimento desenhando a fórmula pra sua crença no amor tratado feito bonsai melindrado, feito hortelã longe do sol, feito filhote de qualquer bicho desmamado...O romance se desenvolvia, a paixão acontecia e tudo seguia como ele havia sonhado naquele dia...ela cheia de amorosidade, focada no desejo de vê-lo feliz e sereno em seus indefinidos papéis, acostumada a ele, que a fazia, amorosamente feliz e assim, tudo, pouco a pouco, em muito se arrumava como devia ser arrumado. Mas como tudo que é demais arrumado, precisa ser desarrumado pra se arrumar melhor ainda, ele acordou numa noite, meio travado por causa de um sonho meio mal sonhado que o deixou algumas noites acordado, e foi ao encontro dela, num dia que não era o marcado...foi chegando meio torto, meio desajuizado, meio anti-inflamatório, meio relaxante muscular, e foi logo falando de suas incertezas sobre os números, atribuições, total de mensagem do celular, sobre a arquitetura do seu GPS,  o percurso traçado ao encontro dela, lugar encontrado...na verdade, um papo meio furado que ela ouvia atônita estranhada...que cara...totalmente  malucado! Pensava...nem me deu ainda a informação que pedi e está aqui diante de mim como se tivesse vivido comigo um ano, no ano passado...Ela agradeceu a informação que ele não lhe deu e se retirou  pensativa cheia de inspiração pra sua poesia...ele ficou lá contando os 2000 e-mail que receberia até o natal...   escrevendo no celular a palavra do dia FIM. Do filme....

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