O tempo tem passado veloz para todas as coisas, apenas se demora um pouco mais nos sentimentos. Mesmo assim, sinto as mudanças neles...sentimentos e tempos. Reclamamos da novidade que se esvai com a repetição dos dias e noites, tardes e tempestades, risos, desencantos...Reclamamos a falta de tantas oportunidades...cenários novos, lugares inventados, emoções bordadas no tecido na própria pele.O tempo tem passado...
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
sábado, 12 de outubro de 2013
Sou eu
Helena sentada diante do teclado da máquina
em sua humilde sala de estudos estava mais uma vez a pensar sobre seus enlaces literários. Amante das palavras e da escrita Helena fazia parte de uma história de perseguição
política durante o holocausto da guerra mundial. Judia professora de canto
vivia com a família em Cracóvia na Polônia. Sem dinheiro sobrevivia dos contos que o jornal local aceitava publicar pelos trocados da única refeição diária. Resolvi fazer Helena pensar. A trouxe para mim nas perguntas que amo fazer sobre personagens ou seres reais.
Vivemos de fato ou somos ideias, ficção de nós mesmos?
Nossa poesia é mero código arrumado pra ter sentidos ao leitor, ou simplesmente sonho, fantasia, desejo de ser um dia...
Escrever eu prometo... Com ou sem Helena... Eu prometo!
É mais fácil viver pra realizar uma promessa do que não ter nenhuma pra cumprir? Quem vai cobrar o que escrevi ?Eu mesma?Qual será o compromisso do escritor com as afirmações que faz ? Apoia-se na liberdade poética? Criativa? Não tem mesmo que pensar sobre os efeitos de sua escrita?No leitor... Nele mesmo o autor?
Permitir o amor liberto de grilhões da paixão na escrita é a mesma coisa que deixar a pipa, ao sabor do vento, estraçalhar-se nas torres, rasgar-se toda nos galhos, incendiar-se no fio elétrico? Ser cinza voando com sobras de eternidade...
Confessar o desejo de perpetuar no amor é mais fácil que juntar nossas coisas e partir sem direção que não a do coração sem juízo... a nos indicar caminhos íngremes intransponíveis pela razão...
Somos fruto de nossa própria ficção... Solitária ou repleta de momentos feitos de inspiração a percorrer cada dia desta vida sem nunca ter certeza se somos real ou se mera e brincante fantasia...Que para Helena começou quando, aos nove anos de idade, se viu diante da imensidão do mar a contemplar a teimosia de uma onda que corria pra dentro dele, se enchia de mais água e mais forças, e se deixava depois voltar para praia se arremessando contra uma pedra gigante que não se movia jamais... Foram horas, dias, anos inteiros reproduzindo tal imagem... Deixo Helena agora... Tornei-me a onda em todos os seus momentos, a pedra, o mar, o lugar... Nunca mais me senti limitada em meus horizontes... Todos os diagnósticos doentios tentaram me explicar à menina a jovem a mulher que fui me tornando... De mar virei rio e até riacho algumas vezes, pedra também tive que ser pra não deslocar-me da vida... Mas permaneço aquela onda que se deixa engolir pelo mar que sou com meus sonhos, ideias e crenças que içam vela ao vento e me navegam mar afora, adentro, naufragando-me nele, em mim mesma sem Helenas pra fingir que não sou eu.
Vivemos de fato ou somos ideias, ficção de nós mesmos?
Nossa poesia é mero código arrumado pra ter sentidos ao leitor, ou simplesmente sonho, fantasia, desejo de ser um dia...
Escrever eu prometo... Com ou sem Helena... Eu prometo!
É mais fácil viver pra realizar uma promessa do que não ter nenhuma pra cumprir? Quem vai cobrar o que escrevi ?Eu mesma?Qual será o compromisso do escritor com as afirmações que faz ? Apoia-se na liberdade poética? Criativa? Não tem mesmo que pensar sobre os efeitos de sua escrita?No leitor... Nele mesmo o autor?
Permitir o amor liberto de grilhões da paixão na escrita é a mesma coisa que deixar a pipa, ao sabor do vento, estraçalhar-se nas torres, rasgar-se toda nos galhos, incendiar-se no fio elétrico? Ser cinza voando com sobras de eternidade...
Confessar o desejo de perpetuar no amor é mais fácil que juntar nossas coisas e partir sem direção que não a do coração sem juízo... a nos indicar caminhos íngremes intransponíveis pela razão...
Somos fruto de nossa própria ficção... Solitária ou repleta de momentos feitos de inspiração a percorrer cada dia desta vida sem nunca ter certeza se somos real ou se mera e brincante fantasia...Que para Helena começou quando, aos nove anos de idade, se viu diante da imensidão do mar a contemplar a teimosia de uma onda que corria pra dentro dele, se enchia de mais água e mais forças, e se deixava depois voltar para praia se arremessando contra uma pedra gigante que não se movia jamais... Foram horas, dias, anos inteiros reproduzindo tal imagem... Deixo Helena agora... Tornei-me a onda em todos os seus momentos, a pedra, o mar, o lugar... Nunca mais me senti limitada em meus horizontes... Todos os diagnósticos doentios tentaram me explicar à menina a jovem a mulher que fui me tornando... De mar virei rio e até riacho algumas vezes, pedra também tive que ser pra não deslocar-me da vida... Mas permaneço aquela onda que se deixa engolir pelo mar que sou com meus sonhos, ideias e crenças que içam vela ao vento e me navegam mar afora, adentro, naufragando-me nele, em mim mesma sem Helenas pra fingir que não sou eu.
Sessão de fotos - 20/08/2013. - Conto
Executiva de multinacional,
estabilizada financeiramente e beirando os cinquenta anos de idade, Léa sempre
fora atenta à saúde, cultivava alimentação natural, exercícios físicos e tempo
para o lazer e estética. Nas férias
anuais viaja uma parte do tempo e descansa em casa o restante dele, lendo,
vendo filmes, recebendo amigos, visitando parentes próximos. Léa mora numa
alameda de sobradinhos com varandas e janelas para a rua, num bairro antigo da
capital, que sobreviveu às demolições modernizadoras, mantendo-se reservado a
moradores. Com árvores adultas dos dois lados da rua, mantém o ar bucólico e
uma vizinhança madura que se encontram toda manhã a caminho da banca de jornal,
da padaria ou passeando seus cães. Localizado
próximo aos lugares mais importantes da cidade, com acesso ao metrô e outros
meios, possui teatros, restaurantes, lojas e um comércio de arte e feiras em
geral. Léa vive sozinha com a vizinhança, há mais de vinte anos
Naquela semana Léa retomava as
consultas médicas e exames de rotina do seu check-up anual. Começou com o cardiologista, seguido
da endocrinologista e, quando iniciava os exames solicitados pela ginecologista
teve uma surpresa. Saira do laboratório de exames devendo aguardar na sala de
espera para ser dispensada. Menos de quinze minutos, a porta se abre e quando
ela esperava como de costume a técnica do laboratório dizer: Dona Léa a senhora está liberada! Ela
ouviu:
- Dona Léa, vamos ter que refazer seu
exame. A senhora, por favor, aguarde que
a chamaremos em alguns minutos.
Léa, que estava em pé desde que
ouvira seu nome, ficou em silêncio. Sentou-se novamente, acomodou a bolsa no
colo e levou as duas mãos na nuca jogando a cabeça para traz, como se
estimulasse a circulação do pensamento. Depois, curvou a cabeça sobre o peito
e, descendo as mãos da nuca, afastou a echarpe florida que deslizava sobre a
blusa de linho cru, colocou-as em concha uma em cada seio e ficou assim com
eles abraçados pelos dedos esguios, unhas pintadas, pele branca... As outras
mulheres que aguardavam para fazer seus exames olhavam Léa, no esforço de
alcançá-la com um sorriso, uma palavra de encorajamento e esperança pelo olhar,
mas ela não via ninguém, como que em transe, com os seios nas mãos e um
carrossel no pensamento.
Veio-lhe a mente as viagens acumuladas
nos arquivos pessoal, as fotos, as
sensações de bem estar na praia, chutando
as ondas quebradas aos pés nas
caminhadas ao entardecer, o corpo ao sol, a alegria simples, os frutos do mar
exalando sabor típico de férias. Como
estas, outras lembranças desfilavam apressadas para dar lugar a tantas que
somavam sua vida até aquele momento.
Léa não tinha uma religião
específica, aprendera na infância sobre Deus, o Pai de bondade infinita e conhecedor de
todas as coisas do mundo e dos homens. Não ousava pedir nada, apenas pensava
sobre sua vida até ali.
A porta se abriu e ela
ouviu:
_Dona Léa, por favor, por aqui.
Novamente o exame, a espera, e outra
vez a técnica:
_ Dona Léa, venha por aqui, a médica encarregada do setor que lhe falar.
Léa
seguiu a moça pelo corredor que se estendia interminável sob seus pés.
Aqui, indicou
a técnica abrindo a porta. Léa entrou tentando
se conter, olhando em volta, à procura de uma mesa com fotos de família,
agendas, trofeuzinhos de bronze, esses objetos que definiram como apropriados
para um consultório médico. Avistou a cadeira
do paciente e foi logo se apoiando nela como que para manter-se em pé. A médica ainda bem jovem fez um gesto para que
se sentasse. A porta se fechou atrás dela e então ouviu:
- Dona
Léa, a senhora precisa retornar o quanto antes a sua médica. Seu exame deu uma
alteração que requer providências com certa urgência. A Senhora tem retorno
agendado?
Léa acena qualquer movimento da
cabeça, perguntando:
_ O que houve doutora? Eu estou com câncer?
E então ela responde:
E então ela responde:
_ Sua médica é quem explicará melhor, mas há um nódulo de dimensão
preocupante que deve ser investigado. É bom não esperar.
Léa levantou-se segurando os exames junto
com uma das alças da bolsa deixando a outra pendurada, assim como ela naquele
momento. A médica perguntou:
_A senhora está sozinha? Quer que chamemos alguém de sua família? Está de carro? Tem alguém esperando em casa?Não deve se preocupar até ouvir sua médica. Apenas tome providências.
_A senhora está sozinha? Quer que chamemos alguém de sua família? Está de carro? Tem alguém esperando em casa?Não deve se preocupar até ouvir sua médica. Apenas tome providências.
Léa responde que está bem, abre a porta que dá para a sala de espera. Atravessa rumo a saída envolvida por
todos os olhares. Cada mulher ali presente sabia o que se passara com Léa e que
podia também lhe acontecer.
O exame de mamografia, obrigatório para toda mulher a partir dos quarenta anos de idade, é o mais eficaz na detecção de nódulos e tumores. Sua realização anual é recomendada para identificar a doença no início. No entanto, eles podem aparecer após o exame de resultados normais e causar danos inestimáveis. A mama, órgão duplamente valioso na amamentação e na sexualidade, identifica a feminilidade ao mesmo tempo em que atua como termômetro da sensibilidade nos períodos e ciclos da mulher. Além disso, os seios tem lugar de destaque na estética feminina. A ameaça da doença reproduz todos os tipos de medos.
O exame de mamografia, obrigatório para toda mulher a partir dos quarenta anos de idade, é o mais eficaz na detecção de nódulos e tumores. Sua realização anual é recomendada para identificar a doença no início. No entanto, eles podem aparecer após o exame de resultados normais e causar danos inestimáveis. A mama, órgão duplamente valioso na amamentação e na sexualidade, identifica a feminilidade ao mesmo tempo em que atua como termômetro da sensibilidade nos períodos e ciclos da mulher. Além disso, os seios tem lugar de destaque na estética feminina. A ameaça da doença reproduz todos os tipos de medos.
Léa pegou seu carro
no estacionamento próximo e foi pra sua casa.
Ao chegar, ligou para a ginecologista
e agendou retorno em dois dias. Depois foi para seu quarto e ficou parada diante da porta. Soltou a bolsa no chão, jogou os exames sobre a cama e ficou
ali sem pressa alguma. Olhou todos os seus objetos, roupas, a estante de livros
ao fundo, a mesa de trabalho, os livros, o computador com tela de 20 polegadas
onde vê seus filmes, a cadeira giratória comprada no último verão, decidida a
escrever um romance inspirado em suas viagens, CDs, DVDs, um cabide com
echarpes de todas as cores, estampas, tecidos, outro com colares das mais
diversas formas e procedências, suspensos, decorativos, cheios de história e
digitais do corpo, do tempo.
Léa foi tirando as roupas e jogando
sobre a cama, ligou o som da cabeceira chamando Nina Simone pra
cantar, pegou seu roupão e entrou no
banho. A água morna deslizava em seu corpo, contornando cada pensamento
a voar pelo quarto, pela casa... Espalhou o sabonete líquido pelas costas,
braços e parou com as mãos nos seios, lembrou-se dos amores que marcaram sua
vida, os beijos pelo corpo, as carícias confortáveis e macias... Olhou para
eles e deixou as lágrimas desprenderem-se caindo em cascata. Terminou o banho,
vestiu-se pegou sua agenda e discou para um número dizendo:
- É
do Studio do Rigel? Ele está? Diga
que é Léa.
Do outro lado:
_ Oi Léa! Surpresa, tudo bem com você? Quando faremos aquelas fotos que
te prometi de presente?
_ Hoje mesmo se tiver horário.
_ Claro que tenho vem pra cá! Já pensei numa produção com chapéus e
trajes do seu gosto.
_ Sim, chego em uma hora.
Léa vestiu-se: a saia preta longa de
sempre, uma camiseta colada ao corpo, um casaco jogado por cima, calçou as
alpargatas pretas da última viagem. Desligou
o som, pegou a bolsa que a
esperava ainda no chão. Olhou novamente o quarto, puxou o ar pelo nariz ainda
molhado de lágrimas, jogou os cabelos para tras endireitando as costas, cabeça
ereta, olhar congestionado, sorriso escondido, determinação. Saiu com seu carro e foi ao encontro de Rigel, seu amigo dos tempos de estudos
de Artes cênicas e fotografia. Um japonês descolado, eu diria semiótico, pela
gama de linguagens e significados que sua figura causa, seja pelas roupas,
tatuagens, joias esculpidas em formas extravagantes, ou pelo jeito coreográfico
de andar ao som de uma fala agradável, num português levemente adornado pelo
sotaque japonês misturado com inglês.
O Studio fotográfico de Rigel fica no
centro pobre e decadente da cidade, no meio de comércios informais e outros estabelecimentos
parados no tempo. Uma porta grande e pesada, recuperada de demolição guarda sua
preciosa madeira nobre, debaixo da cor vermelha e verde, com pinceladas em dourado,
emoldurada pela parede preta fosca. Uma fênix em relevo no alto tem no bico suspenso um fio
que desce indicando o interfone eletrônico do lado direito. Eu diria um visual
punk bizarro. Ao se abrir a porta uma
escadaria leva ao Studio e aposentos
onde vive Rigel .
Léa chegou com um pequeno buquê de
rosas vermelhas comprado na rua. A porta destrancada a esperava. Foi entrando
como quem está acostumada com o lugar, tirou o casaco, jogou a bolsa sobre uma
bancada chamando alto:
_ Rigêêêêêlll! Cheguei. Léa!
Da mesma idade de Léa, de aparência mais
jovem talvez pelo visual e jeito brincante que exibe, Rigel, exalando perfume
amadeirado, entra enxugando as mãos numa pequena toalha que coloca em volta do
pescoço, e abraça Léa.
_ Que bom que veio rara flor.
_Também gostei
de vir. Quero fazer as fotos.
_Sim vamos entrar, já arrumei algumas ideias.
Léa afastou a cortina negra, entrou e
sentou-se num divã roxo sobre um tapete ocre. Enquanto Rigel ia buscando
algumas peças ela foi tirando a camiseta colada ao corpo. Estava sem sutiã,
soltou os cabelos e quando ele entrou ela foi logo dizendo:
_quero fotografar meus seios, faça com que eles
fiquem ainda mais lindos e exuberantes.
Léa tinha seios pequenos e
proporcionais ao seu porte. Apesar da idade não eram flácidos. De pele alva e
auréola rosada formavam um lindo par no peito largo, sustentados pelos ombros
torneados e fortes. Rigel ficou surpreso. Não era o que havia pensado e muito
menos para Léa com quem mantinha uma descrição quase severa.
_ Sim,
claro, vamos então ao chuveiro quero fotografá-los sob a água corrente e depois
sob sedas transparentes... O que acha? Gosta?
_ Sim e quero também que use as pétalas das rosas que eu trouxe... Pense
em alguma coisa, cubra-os com elas... Quero flores frescas e perfumadas para
eles.
_Vamos fazer.
Rigel sempre descontraído com moderação,
ligou o som com uma música instrumental que enchia o ambiente de um clima alegre,
calmo e ao mesmo tempo sensual, aspergiu uma fragrância perfumada no ar e ligou
o vaporizador escondido atrás de uma coluna, exalando uma fumaça úmida enchendo de mistério o
ambiente. E foi
para o Box onde Léa o esperava apoiando uma das pernas num desses bancos alto
de bar, enrolada em uma toalha da cintura para baixo. Ele abriu o chuveiro com
água morna. A água caía nos ombros de Léa espirrando no rosto e pescoço,
descendo pelo peito um rio entre os seios em direção ao umbigo. Fios mais longos dos cabelos desciam grudando-se com a água. Esse ritual deu
às lentes de Rigel as mais belas imagens. Léa estava serena. Depois de secar os
cabelos e o corpo foram para o divã. Léa envolta em uma canga indiana sem
muitas cores segurava abaixo dos seios as pontas dela. Deitou-se deixando os
braços abertos caindo para os lados numa
entrega aos céus enquanto Rigel vinha
com as pétalas vermelhas das rosas espalhando espaçadamente sobre seu peito e
abdômen. Ele nunca imaginara fazer aquilo, nada original, quase brega, sabe-se
lá o que mais. Mas, sabia que Léa estava diferente e não queria invadir seus
aposentos internos. Amava ver a amiga feliz.
Passaram a parte e começo da noite
fotografando, aproveitando a luz do sol se despedindo por trás dos janelões do estúdio,
o cair da noite até ser escuro total, dando brilho as velas e lanternas chinesas que Rigel
cultiva em meio aos spots eletrônicos, luz dicroica, design moderno e
tecnologia sofisticada.
Despediram-se. Léa parou em um
restaurante próximo de sua casa para uma ceia leve. Chegou em casa bem tarde.
Tomou banho e foi dormir. Dois dias se passaram e Léa estava diante de sua
ginecologista que lia atenta seus exames.
_Léa, temos um desafio a enfrentar com suas mamas. Faremos novos exames
para mapear o tumor com precisão. Em seguida, a cirurgia para biopsia e então
iniciarmos o tratamento já conhecido. Vamos marcar já. Amanhã mesmo você volta
ao centro radiológico leva esses exames para orientação técnica. Minha secretária
cuida dos agendamentos. Vão te ligar. Quero você tranquila, sua disciplina e
cuidados com a saúde farão a diferença agora mais que nunca.
Léa ouvia silenciosa, calma,
assentindo com a cabeça. A médica levantou-se para abraçá-la, Léa despediu-se.
Foi para casa. Antes passou no estúdio de Rigel, queria ver as fotos.
Ao chegar a porta estava destrancada,
havia muita música, janelas abertas, cortinas voando, as pétalas vermelhas do
dia anterior espalhadas no tapete ocre, cheiro de missoshiro vindo dos fundos.
Léa foi avisando que chegara:
_ Rigêêêêêlll! Cheguei Léa!
Sorrindo ele entra com as mãos
ocupadas com algumas fotos reveladas artesanalmente. Aproxima-se de Léa empurrando-a com seu corpo
fazendo-a cair junto com ele no divã, depois mostrava as fotos colocando-as no
rosto de Léa numa alegria infantil, riam alto, riam juntos, riam completos. As fotos estavam prontas! Rigel feliz com os
resultados. Léa não se decidia se ficava feliz ou se contava tudo a Rigel que falou:
_Léa rara flor, nossa produção surpreendeu-me, ficou iluminada, não tenho
como explicar o que aconteceu... As rosas bregas, tudo! Veja.
Léa sorriu agradecida. Decidiu deixar
em segundo plano o assunto dos exames e depositar toda sua esperança na beleza
das imagens que Rigel, com sua sensibilidade, arte e generosidade captou de seu
corpo. Realmente as fotos revelavam um nível elevado de qualidade
artística e técnica. Sentindo-se numa
experiência terapêutica, tamanha era sua calma, Léa pegou duas fotos, uma da água
corrente e outra das pétalas de rosa, dizendo:
_ Rigel tenho que ir, estou no check-up anual e tenho exames amanhã.
Assim que terminar todas as revelações me avise.
Beijando-a na face, Rigel, cúmplice do
que vira no negativo das fotos, falou baixinho:
_Sim rara flor aviso
Pela manhã Léa voltou ao centro
radiológico e fez agora exames específicos. Neles se identificaria a dimensão,
localização e tipo de tumor. Passou a manhã toda e quando esperava para ser
liberada, foi chamada pelo médico responsável que lhe perguntou:
__ Dona Léa, a senhora pode me dizer qual o motivo do pedido desses
exames? E quando a senhora fez este aqui?
_ Fiz há dois dias, os de hoje são desdobramentos dele. O que houve
doutor?
_É que seus exames de hoje mostram muita luz contornando suas mamas, a
senhora sofreu alguma radiação ou coisa parecida de lá pra cá? Pois não
encontramos mais esse nódulo aqui... A Senhora fez alguma coisa que pode ter
alterado o quadro?
Léa sorriu tombando a cabeça até
tocar o peito com o queixo, depois levantando o olhar perdido na lembrança da
luz dos flashes da câmera de Rigel, da chama das velas, o calor da água morna
descendo em cascata regando sua pele, as rosas, e o que aprendera sobre Deus na
infância, tudo junto, com a música, o perfume no ar, a presença de Rigel, sua
habilidade artística, sua generosidade humana. Responde:
_Sim
fiz: uma sessão de fotos! Foi isso!
domingo, 6 de outubro de 2013
Olhar pelas lentes da câmera
Eu estava ali para uma cobertura fotográfica espetacular.
Os convidados, pessoas
que buscam uma nova cultura de diversão, iam chegando com suas fantasias comunicando
com elas, seu ideal sobre ser outra coisa, outra expressão e significado,
naquela noite reservada pra ser o lugar que cada um almeja, pra viver sem
amarras ou restrições, uma fantasia.
Multicores adereços e identidades diversas
se misturavam criando aos poucos um cenário surreal, fantástico beirando o absurdo!
Super heróis, Cinderelas, seres do futuro, do passado, de tempo
algum, provocavam um espanto risonho, uma sensação entre a degustação de um alimento desconhecido e a lembrança mais doce da infância.
Eram invenções e adaptações de tipos como o pirata bailarino, o palhaço encantando
com o olhar sedutor do monge tibetano, a bruxa amarrotada a clamar poderes
pra parar o vento frio lá fora, o príncipe tribal com joias e armas futuristas,
o avatar e seu par encarnando o chefe escoteiro
das galáxias, e outras composições curiosas. Vez por outra algumas mal arranjadas deixavam cair pelo caminho, fragmentos de plumas, pétalas de flores do
colar havaiano; ou ainda abandonadas propositalmente como a sombrinha da
equilibrista apoiada num canto da entrada, o capacete do astronauta provávelmente mal adaptado na cabeça do triatleta, jazia no encosto de
uma cadeira ameaçando rolar a qualquer toque.
Havia também os que exibiam
detalhes de arte final, esmeros pra serem vistos com lupas, pedras preciosas
presas em lenços de renda e seda, fidelidade no tipo encarnado acompanhado de
gestual convincente da ficção que intencionada.
Enquanto isso, a primavera sulferino derrubava
suas flores improvisando um tapete na recepção.
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