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sábado, 28 de julho de 2012

Vivi só...sem amigos...

Vivi só...sem amigos...
Frase inicial  de Saint ExuPèry no Pequeno Principe.
Estar só ou rodeado de amigos - eis uma figuração digna de soliloquio.

Clarice acreditava  viver só...revelava isso na maioria dos escritos que conheci. No entanto ao buscar esse seu estar só...na escrita endereçada  percebo que era rodeada de amigos que moravam no seu imaginário e que a inspiravam. Amigos que viravam personagens  representados por ela mesma...todos eram ela...que continuava acreditando não ter nenhum...

Um amigo para Clarice, foi o nome da campanha que iniciei como pessoa preocupada com o destino dessa mulher que se perde em cada esquina da maquete de seu mundo. Ao se perder e ter que voltar descobre outros caminhos que a levam para mais um pouco do desconhecido que compõe seu quadro.

Surge  o primeiro candidato a amigo de Clarice...disposto a ouvi-la, percebê-la e partilhar com ela suas angustias, dúvidas, prazeres e alegrias...desafiado a compor sua felicidade.

Clarice aceita e passa a escrever novos textos sobre seu estar só sem amigos...tem agora com quem conversar esse assunto. Nos diálogos que seguiram Clarice se apaixona e o amigo torna-se então seu amor...Nova dúvida vem alimentar o tormento criativo de Clarice...sobre  amor se tornar amigo, amigo se tornar amor...

Achei melhor passar a tarde de hoje com Clarice, mostrar-lhe um novo quadro que comecei pintar e combinar com ela uma caminhada na praia e aproveitar o sol que neste inverno tem sido ponto de ouro das manhãs.

Ela aprovou a ideia queria também me mostrar seu novo projeto literário um ensaio sobre: Viver só sem amigos...

Fico pensando se devo insistir ou se Clarice é tudo isso que a inspira inexplicável, ilógico, e que torna sua sensibilidade aliada a originalidade de seu ser desprendido de rotulações e identidade. Me distrai com os pensamentos e a perdi de vista...


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Desmorrer


Ela estava deitada em sua mortalha coberta de flores brancas sob o véu de rendas. Seus olhos semicerrados deixavam uma fresta de luz entrar...sua pele ainda mais branca não se esfriara de todo...me esperava pro nosso adeus...na capela, o velório... amigos anônimos se misturavam com a curiosidade daquela morte inexplicável...em hora errada...ela parecia feliz ultimamente... a mãe cansada de chorar aguardava o sepultamento torcendo entre os dedos um rosário cujas contas gastas e amareladas eram torturadas numa prece tátil. Me aproximei  daquele leito de madeira que a vestia agora. A situação não era de acreditar era sim de fazer alguma coisa pra reverter tal cena... Fazê-la quem sabe, desmorrer. Conhecemo-nos um ano antes desse dia... Queria se casar ter uma casa só dela com paredes pra pintar... eu procurava  um segundo emprego pra complementar renda...tempos difíceis... Estava recém-divorciado... Casamento fracassado... Sonhos demolidos. E ela a me relatar incansável seus planos. Achei que estava brincando de descrever detalhes minuciosos...o que fazia muito bem...Confesso que não levava muito a sério mas acabei me apaixonando por suas ideias...passei  a partilhar  sobre ter  paredes próprias e pintar nelas nossas cores e palavras refazendo o conceito de vandalismos de pichadores. Nos casamos mas nossos momentos descompassados dificultavam nossos planos de sonhar juntos...No mês passado nos despedimos ela se mostrava bem apesar de triste... não queria que terminássemos daquela forma...Nossas paredes ficaram inacabadas, obras pela metade outras apenas rascunhadas...no mesmo ritmo de nossos sonhos...rascunhados. Viajei a trabalho, assumi novos projetos e ontem pela manhã recebi o telefonema  avisando sobre isso. Estou agora diante dela a mulher que sonhava ter paredes  próprias pra fazer delas suas telas móveis...estava morta.Não tive como realizar todas as promessas que fiz a ela...ela não teve como esperar seu tempo era outro, os momentos descompassados lembram? Me aproximei e inclinei sobre ela beijando-lhe a face sussurrando...o que quer que eu faça pra você desmorrer? Posso derramar lágrimas em seus olhos pra despertar...quer isso? Pode me mostrar? Ela então num movimento imperceptível disse me beija. A emoção me fez brotar lagrimas que caiam sobre seus olhos semi cerrados pelas fretas que deixavam entrar ainda a luz, lembram? A beijei então e ela abriu os olhos como se despertasse de um sono adiado...pergunta-me: Vamos mesmo nos dar aquelas paredes?

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Sem elas mesmas!

Era o final da festa beneficente, poucas pessoas resistiam sem vontade de ir embora.  As barracas de alimentação já começavam desmontar quando recuperei uma ideia agonizante...a salvei em tempo. Me dirigi ao animador um locutor de voz de tenor e falei:

_Vamos provocar esse pessoal? Pode por favor anunciar esses livros?

_Sim, vai projetar também? Perguntou-me.

_ Sim já estou com os arquivos,  é só falar no microfone para chamar atenção...

 Os livros eu levara para doar no bingo solidário. Não foram aproveitados. As outras prendas foram mais interessantes segundo a organizadora...Mas eles ainda estavam ali, o bingo tinha terminado, mas tínhamos o microfone, o animador, as pessoas que queriam permanecer...e poderiam render alguns dinheiros para a Instituição que apoia crianças e mães carentes. Num telão aparecia a imagem da capa do livro e seu valor, quase simbólico.  Ao lado, a tela se dividia, mostrando  na pesquisa Google o  preço real do livro nas livrarias, cinco vezes mais caro! Pensei comigo vamos vender todos! Meu entusiasmo me fez buscar mais e mais exemplares de dicionários, literatura infanto-juvenil, romances e documentários...Senti uma  felicidade latente vendo aquele final para a festa barulhenta e cheirando a churrasco e quentão.
O apresentador ia mostrando um a um.
De repente olhei em volta... As pessoas que ainda conversavam e bebiam começaram ir embora.

A festa acabou.

Os livros?

Voltaram todos pra minha estante.

As pessoas? Foram pra suas casas sem livros... Sem elas mesmas!

domingo, 1 de julho de 2012

Marché aux puces


Era mais um daqueles dias gelados que me tirava do abrigo adptado para morar e trabalhar, aquecido pelas brasas da lareira.
Bem antes do dia clarear, saía com a bagagem de caixas e mochilas de lona onde carregava minha mercadoria para uma dessas feiras com diversos vendedores que se reúnem ao ar livre para comercializar bens antigos, semi-usados e outras quinquilharias, inclusive peças de arte de fabricação artesanal.
Era o conhecido  "Marché aux puces" de Saint-Ouen, nos subúrbios do norte de Paris, um dos quatro mercados ao ar livre, lá existentes.
Antigamente, a venda de peças de roupas, muitas vezes infestadas por pulgas deu o nome a esse brechózão, tão procurado pelos turistas de toda parte do mundo.
Eu montava minha banca entre a de um ourives belga e um escultor em joias de madeira, brasileiro com cidadana europeia-italiana. 
Muitos estrangeiros se valiam daquele comercio para sobreviver, outros para ocupar o tempo aliando a arte do comercio uma de suas riquezas.
Eu vendia palavras e letras.
Meu produto ficava exposto em uma bancada de madeira sobre um cavalete, e coberta com tecido de juta claro. Nela espalhava as letras de um lado e as palavras de outro.
As pessoas se acercavam e eu ia logo mostrando a elas meu tesouro.
No início ficavam estranhadas, pareciam não entender muito bem pra que serviam aquelas letras e palavras, ou melhor por que as comprariam. Era quando eu entrava com meu argumento, construido também de letras e palavras,  arrumadas para construir a frase ideal pra pessoa certa.
Eu olhava pra elas e numa quase brincadeira, jogo ou magia, eu dizia: Suas letras devem combinar com a cor de seus olhos, a tecitura de seus cabelos e o tom de sua voz, portanto, fale algo que traduza o que gostaria de ser e saber sobre si mesma.
E então a pessoa se mostrava enternecida com a experiência proposta e começa a falar timidamente no início, depois mais entusiasmada e por fim quase exclamando dizia: e que palavras acha que cairiam bem em mim?Eu poderia ter uma frase?
Dai pra frente tudo era arquitetado na direção da poesia metafórica. Instalava-se o perfume no ar. Letras, palavras e frases flutuavam sobre a mesa num texto mágico.
A pessoa saia com suas letras num pequeno envelope, como se levasse um tesouro. O meu! O seu!O de quem reconhece nas letras, as palavras que nos levam a lugares, cheios de lugar nenhum... a espera de serem construidos os  que quisermos.